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Poesia clássica chinesa

Antologia da poesia clássica chinesa: dinastia Tang, publicada pela Editora Unesp, põe o leitor diante da arte poética arquimilenar chinesa.



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Chang'an é uma das cidades mais antigas da China, situada no vale do Rio Wei, afluente do soberano Rio Amarelo. Nela, fixaram-se mais de dez dinastias, algumas delas iniciadas há 200 anos a. C. Por volta do século VIII, abrigava cerca de um milhão de habitantes. Era o limite oriental da famosa "rota da seda", que ligava a Ásia à Europa. Desde a Dinastia Ming (1368-1644), seu nome passou a ser Xi'an.


A Antologia da poesia clássica chinesa: Dinastia Tang, publicada pela Editora Unesp, obra que recebeu o Prêmio Jabuti de Tradução em 2014, não é um livro sobre a cidade de Chang'an. Na verdade, nele, encontra-se a reunião de uma seleção de poemas de pouco mais de 30 poetas do período da Dinastia Tang (618-907). Chang'an era o centro do próspero império dessa dinastia chinesa. Daí sua relevância como cenário para vários poetas que se sucedem, compondo uma das mais meritórias gerações de poetas da arquimilenar tradição poética chinesa, ainda muito desconhecida no Ocidente.



Editora Unesp | Edição Bilíngue | 2ª Edição | 2019
Editora Unesp | Edição Bilíngue | 2ª Edição | 2019

Ricardo Primo Portugal, diplomata e poeta, e Tan Xiao, chinesa mestre em linguística, são os tradutores e organizadores da Antologia.


Logo na introdução, preocupam-se em apresentar o fundo histórico correspondente ao período da Dinastia Tang, para melhor situar o leitor. Cabe sublinhar que, nessa dinastia, a poesia e a literatura, de um modo geral, estão no centro do processo cultural, como na seleção de funcionário do Império:


“Outra consequência notável do sistema dos exames imperiais foi a valorização da poesia e a codificação das formas e gêneros literários. Na Dinastia Tang, era atributo do home educado escrever poesia, que se relacionava com a celebração dos momento das vida. O mais elevado nível dos exames, o ‘Jinshi’, testava as habilidades poéticas dos candidatos.” (p. 55), escrevem Ricardo Portugal e Tan Xiao na introdução.


O longo reinado de Xuanzong (712-755), o "imperador esclarecido", marca a época de ouro da Dinastia Tang. Ao lado do interesse de Xuanzong pelas artes, não se pode deixar de destacar seu sucesso na implantação de políticas econômicas para a diminuição das desigualdades sociais.


Após a rebelião promovida pelo general An Lushan (755-763), a recuperação da paz vem associada ao processo de revitalização do confucionismo, na passagem do século VIII para o IX. Foi justamente no século IX em que se deu a continuidade do processo cultural da Dinastia Tang.


O declínio da Dinastia Tang ocorre a partir de 903, com a ascensão de um poderoso guerreiro, Zhu Wen, e a maior cidade do mundo (a já mencionada Chang’an) foi desmantelada.


Ao lado de um conciso apanhado histórico, os organizadores da Antologia delineiam a periodização literária dos séculos da era Tang.


O período inicial, da fundação da Dinastia (618) até o reinado de Xuanzong (712), marca a fixação de alguns gêneros literários (como a da poesia paisagística e religiosa).


No período seguinte, o da Era Xuanzong, o “alto Tang”, encontram-se algumas dos grandes mestres da poesia chinesa: Du Fu, Li Bai, Wang Wei.


Li Bai (701-762), com forte ligação com o taoísmo, passou para a história como um dos maiores poetas chineses. Seu poema "Pensamento em uma noite silenciosa" é um dos mais conhecidos e traduzidos da literatura chinesa e recebe a seguinte tradução na antologia:


em frente à cama luz a lua brilho

ou será sobre o chão talvez geada


ergue-se a fronte a lua ali cintila

cabeça baixa a lembrança do lar



Du Fu, um dos poetas da Dinastia Tang.

Du Fu (712-770) figura ao lado de Li Bai no panteão dos maiores nomes da poesia chinesa. "Paisagem de primavera" é um de seus poemas de versos famosos:


Tudo em ruínas; restam rios, montanhas

é primavera e crescem árvores, grama.

Ressentem o tempo as flores, deitam lágrimas,]

ao ódio espantam-se e separam os pássaros.]

Fogueiras queimam longo tempo aos cumes,]

cartas do lar valendo uma fortuna.

Cabelos brancos cada vez mais ralos:

ao alfinete do chapéu nem bastam.


Machado de Assis, em Falenas (1870), cita oito poetas chineses, sendo que por duas vezes aparece o nome de Du Fu.


De volta à periodização do Tang, do período médio, entre o final do século VIII até por volta de 820, ganha relevo a figura de Han Yu, a geração de reformadores, o desenvolvimento da crítica literária e do ensaísmo cultural. Um representante dessa quadra histórica é o budista Bai Juyi (772-846), com sua poética da simplicidade e da coloquialidade, como em "No lago":


dois monges da montanha frente a frente

jogam xadrez entre os bambus a sombra

entre os bambus frescor ninguém se vê

por vezes ouve-se uma peça move


No período derradeiro da Dinastia Tang, o estilo de época gira em torno dos modelos de Li Shangyin, Du Mu e Wen Tingyun. "Confissão", de Du Mu (803-852), mostra um pouco dos versos desse momento de declínio da Dinastia Tang:


Alma embebendo-se de águas vinhos festas

as mãos cingiam curvas talhes corpos leves

Dez anos como em sono, um sonho foi Yangzhou

e à casa verde, um nome: "homem sem coração"


Du Mu refere-se à decadência do centro econômico da cidade de Yangzhou e critica, de modo irônico, o ideial do intelectual chinês de ficar para a posteridade, como explicam os organizadores da antologia.


O livro, ainda, reserva ao leitor uma surpresa: poemas de poetisas como Li Ye (784), Xue Tao (768-832), Yu Xuanji (844-869). Desta última, representante do período de decadência da era Tang, leiam-se os versos de “Vendendo peônias murchas”, em que se refere a flores simbólicas para o imaginário chinês:


O rosto ao vento, a suspirar, pétalas caem

e vai-se outra primavera em seus odores

Hoje ninguém as quer comprar, dizem-nas caras

Intenso, afasta as borboletas, seu aroma

Pétalas rubras, só crescessem em palácios

Folhas de jade, vão tingir-se ao pó da estrada?

Antes se transplantarem a imperiais vergéis

e as colheriam belos jovens em cortejo


Importa mencionar que a Editora Unesp lançou, em 2011, a Poesia completa de Yu Xuanji, também em tradução de Ricardo Primo Portugal.


Segundo Ricardo Portugal e Tan Xiao, compilou-se, durante a Dinastia Qing (século XVII), por determinação imperial, cerca de 49 mil poemas, escritos por quase 2.200 autores, no livro conhecido como Poemas completos da Dinastia Tang.


Outros aspectos relevantes que o leitor colherá da introdução de Antologia da poesia clássica chinesa são as considerações dos tradutores sobre as características da própria poesia clássica chinesa.


Não se pode desconsiderar que o chinês caracteriza-se por ser uma língua tonal, monossilábica, cuja fonética tem nuances próprias. Os textos, se comparados às línguas latinas, são bem concisos. Esses recursos linguísticos, que são recursos poéticos, se aliam às possibilidades semióticas da escrita ideogrâmica chinesa.


Afora essas considerações de ordem linguística, Ricardo Portugal e Tan Xiao pormenorizam os elementos estruturais da poesia clássica chinesa, destacando formas que perduraram até a chegada do Modernismo no início do século XX. Essas formas dividem-se basicamente entre o “Estilo Novo” (jintishi) e o “Estilo Antigo” (gutishi). Toda a descrição da métrica desses estilos são sumarizados pelos tradutores da antologia.


Todo esse apuro dos organizadores da obra nos leva, ainda, ao lugar da tradução e aos desafios e possibilidades de verter a poesia clássica chinesa para o português, para que o leitor brasileiro tenha uma visão aproximada da estética e do que tratam os poemas selecionados pelos organizadores, sem contar o prazer da descoberta de poemas que formam o espírito da admirável cultura chinesa.


* RAFAEL VOIGT, editor da {voz da literatura}




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