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Lançamento | Natal brasileiro em prosa: 1854-1932

Acaba de ser lançado o e-book Natal brasileiro em prosa: 1854-1932. É o primeiro de uma série de e-books que a revista {voz da literatura} pretende lançar. Reproduzimos a seguir a apresentação de Natal brasileiro em prosa: 1854-1932, preparada pelo organizador do volume e editor da {voz da literatura}, Rafael Voigt.


 

Carne Crua (2018) foi a última obra lançada por Rubem Fonseca (1925-2020). Nesse livro, há contos marcados pelo estilo inconfundível de seu autor e pelas temáticas de ligação umbilical com a realidade nacional contemporânea. Entre as narrativas, encontram-se duas que giram em torno de personagens que odeiam o Natal e nutrem o fetiche de matar homens que se fantasiam de Papai Noel. É bastante simbólico como, por trás desses contos, o narrador condensa marcas tão genuínas de nossa nacionalidade, seja pela violência, seja pela tradição natalina.


O Natal é um dos temas mais frequentes na literatura. Há histórias natalinas que são marcos na tradição literária, como as de Charles Dickens, Dostoiévski, Górki, Molière, Eça de Queiroz, Mark Twain, Arthur Conan Doyle, James Joyce, Truman Capote, E.T.A. Hoffman, Agatha Christie.


Em um país com forte tradição cristã, como o Brasil, os festejos natalinos são bastante populares e marcam não somente um dia, mas semanas de preparação e comemorações da grande festa. Contudo, pela diversidade cultural e religiosa nacional, há contornos próprios o Natal brasileiro.


É o que se pode notar neste volume de Natal brasileiro em prosa: 1854-1932. Aqui há uma seleção de textos natalinos de 20 autores brasileiros que atravessam dois séculos e momentos cruciais da história do Brasil e do nosso fazer literário. São, por assim dizer, alguns dos precursores da literatura “natalina” brasileira, tradição da qual fazem parte autores contemporâneos como o mencionado Rubem Fonseca, com seus personagens “antinatalinos”.


No arco temporal de 1854 a 1932, um período de aproximadamente 80 anos, vislumbra-se um retrato significativo da literatura brasileira e do país, mesmo em volume “natalino” constituído de autores pertencentes, em sua maioria, às regiões centrais de produção cultural.


José de Alencar, Machado de Assis, Raul Pompeia, Arthur Azevedo, João do Rio, Olavo Bilac, Marques de Carvalho, Lima Barreto, Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Valdomiro Silveira, Coelho Neto e Humberto de Campos são os representantes dos “homens das letras”.


Anália Franco, Carmen Dolores, Júlia Lopes de Almeida, Crysanthème, Ignez Sabino e Maria Clara da Cunha Santos compõem a seleção de escritoras deste volume. Embora em sua maioria os nomes dispostos no parágrafo anterior sejam de maior conhecimento pelo público em geral, é cada vez mais certo afirmar que, graças a inúmeras pesquisas realizadas — em sua grande parte nas universidades públicas —, essas e tantas outras autoras mostram ao público leitor que a história (da literatura) do Brasil está repleta de fraturas e lacunas a serem reparadas, para que se compreenda como esse discurso literário feminino merece ser pesquisado, lido e relido com maior atenção. A luta de gêneros, o lugar da mulher, a voz política e a cultura feminista podem ser encontrados até mesmo nesses textos cujo recorte temático pertencem à atmosfera natalina.


Muito surpreenderá o leitor o ineditismo da prosa de algumas de nossas “mulheres das letras” nunca antes publicada em livros. Mesmo com os avanços de pesquisas louváveis para o resgate dessas e de outras autoras, é fácil constatar que ainda há muita história literária a ser investigada e reativada, para dar conta dessa dimensão feminina de nossa literatura.


Em periódicos como Correio Mercantil, A Notícia, A Semana, A Família, Revista da Semana, O Pão, Kosmos, Careta, Novella Semanal, Diário Nacional, consultamos a maioria dos textos publicados neste Natal brasileiro em prosa: 1854-1932. Nesse período, a força de circulação da literatura residia em sua presença em jornais e revistas. Nas folhas desses veículos de imprensa, observa-se como a literatura exercia papel central na cultura brasileira, como parte significativa da representação da vida. Sem contar que, nos jornais e nas revistas, se formou boa parte do público leitor de literatura (reduzido àquela época, é fato, mas que impulsionou a tradição da literatura e da leitura literária em nosso país).


Pelos periódicos é que muitos escritores puderem viabilizar seu ofício, como bem acentua uma das escritoras desta coletânea, Júlia Lopes de Almeida, na série de entrevistas realizadas por João do Rio para o Momento literário (1908): “(...) Nós todos somos um resultado do jornalismo. Antes da geração dominante não havia bem uma literatura. O jornalismo criou a profissão, fez trabalhar, aclarou o espírito da língua, deu ao Brasil os seus melhores prosadores. (...)”


Toda antologia ou coletânea de textos literários, como a dos fins propostos neste volume, tem suas limitações e pode sofrer de restrições quanto à representatividade do que chamamos de “literatura brasileira”. Esperamos ampliar este trabalho ou desdobrá-lo em futuras edições.


Os textos foram organizados de forma cronológica, com uma nota introdutória para situar o leitor. Todas as prosas coligidas neste volume passaram por rigorosa transcrição ou revisão a partir da fonte primária, quando publicadas em periódicos; e aquelas (poucas) que apareceram primeiramente em livro mereceram a consulta das primeiras edições para a preparação e o estabelecimento do texto da forma mais fidedigna ao original. A atualização ortográfica e a revisão linguística respeitam termos em língua estrangeira e outras opções discursivas formais que marcam o estilo de cada autor e sua época.


Este trabalho não seria possível sem que houvesse o rico acervo da Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional, bem como a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (USP). Sem o trabalho hercúleo e fundamental de digitalização do acervo de periódicos e livros brasileiros do século 19 e de início do 20, uma obra como esta que oferecemos ao público dificilmente existiria. Deixamos o nosso agradecimento a essas duas instituições, pela preservação e divulgação desses acervos de valor cultural incalculável.


Ao cabo, desejamos a você uma catarse singular ao se defrontar com a frondosa árvore literária deste Natal brasileiro em prosa, montada a partir de autores pertencentes a um Brasil recuado no tempo, mas capazes de nos fazer perceber o que a efeméride natalina, com todos os seus simbolismos, pode representar em nossa literatura e na construção de nossa nacionalidade.


Rafael Voigt Leandro

Editor da revista {voz da literatura}

Doutor em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB)


 


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