{voz da literatura} entrevista Alvaro Santos Simões Jr. (Unesp). Desde 1998, Alvaro é professor de Literatura Brasileira da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Assis. Em 2010, tornou-se pesquisador do CNPq. Publicou, pela Editora da UNESP, os livros A sátira do Parnaso (2007), Estudos de literatura e imprensa (2015) e Bilac vivo (2017). Além dessas publicações, reuniu crônicas de Olavo Bilac na obra Registro: Crônicas da Belle Époque Carioca (Campinas: Ed. da UNICAMP/FAPESP, 2012) e, no livro Sátiras (Lisboa: CLEPUL; FCT, 2017), recolheu textos publicados na imprensa pelo poeta parnasiano.
Boa parte de sua produção acadêmica está relacionada ao tema “imprensa e literatura”. Como chegou a esse campo de pesquisa?
Tudo começou em fase preparatória para o Mestrado. Naquela altura, interessei-me pelos versos de circunstância de Olavo Bilac, especialmente pelos Pimentões (1897), escritos a quatro mãos com Sebastião Guimarães Passos. Descobri então que os textos eróticos e humorísticos do livro tinham sido publicados originalmente em uma seção da Gazeta de Notícias intitulada “O Filhote” (1896-1897) e, assim, minha dissertação acabou versando sobre a participação de Bilac nessa seção. Como “O Filhote” era um “jornal” paródico colocado no canto superior direito da primeira página da folha dirigida por Ferreira de Araújo, comecei com esse estudo a conhecer as convenções jornalísticas do final do século XIX e a intensidade das “trocas” entre literatura e jornalismo nesse período.
Nesse universo “imprensa e literatura”, há uma vertente de pesquisa dedicada às fontes primárias em periódicos antigos, em verdadeiro trabalho de garimpagem. Como é esse processo?
A literatura brasileira da segunda metade do século XIX e início do século XX correu pelo leito dos periódicos, fossem eles jornais diários, hebdomadários ilustrados, revistas literárias ou de entretenimento. Os escritores brasileiros publicavam nesses veículos contos, poemas, romances-folhetins e, principalmente, crônicas de vária natureza. Desse modo, os periódicos se configuram hoje como um rico manancial de fontes primárias para o estudo da história literária, do que resultam novas produções críticas e até mesmo edições de inéditos e dispersos de autores relevantes para a literatura brasileira. Cabe assinalar, por exemplo, que clássicos como Memórias de um sargento de milícias, de M. A. de Almeida, O guarani, de J. de Alencar, Memórias póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba, de M. de Assis, foram “experimentados” em periódicos antes de conhecerem uma versão, - às vezes bastante modificada, - em livros.
Quais desafios você enfrentou ao trabalhar com fontes primárias durante um período em que boa parte do acervo de bibliotecas públicas e hemerotecas não estavam ainda digitalizados?
Para quem, como eu, vive e trabalha no interior, havia significativas dificuldades de acesso aos periódicos, que eram consultados a partir de cópias microfilmadas fornecidas principalmente pela Biblioteca Nacional. O Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa (CEDAP) da UNESP/Assis foi formando ao longo do tempo, graças a investimentimentos dos programas de pós-graduação em Letras e História, um acervo de periódicos como a Gazeta de Notícias e O Estado de S. Paulo. Além disso, pesquisadores como eu fizeram pedidos de financiamento às agências de fomento e enriqueceram o acervo com doações. Assim, o CEDAP recebeu, por exemplo, coleções fragmentadas de A Notícia, Correio da Manhã, A Bruxa e A Cigarra, para citar apenas periódicos cariocas. Em virtude de necessidades de pesquisa, era inevitável também fazer longas viagens – de ônibus! - para consultar os acervos mais ricos da própria Biblioteca Nacional, Arquivo do Estado de S. Paulo, biblioteca Mário de Andrade, os institutos históricos e geográficos de S. Paulo e Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, UNICAMP etc. No quarto de século a que me dedico aos periódicos, já me vali de antigas máquinas de leitura de microfilmes fabricadas na extinta República Democrática Alemã e de mais modernos equipamentos computadorizados, que, a princípio, forneciam cópias impressas e hoje permitem a produção de arquivos digitalizados. Em alguns casos, a leitura é antes um trabalho de decifração...
Desde seu doutorado, você se dedica à obra de Olavo Bilac. Poderia nos dizer quem foi o Bilac jornalista?
Quando jovem, o poeta da Via Láctea sonhava em dedicar-se exclusivamente à literatura. Porém, o abandono do curso de Medicina levou-o a romper com o pai, médico que atuara da Guerra do Paraguai. Sem recursos para sobreviver, aceitou o cargo de revisor que lhe ofertou José do Patrocínio, diretor do diário Cidade do Rio e líder de um grupo de intelectuais boêmios. A rigor, porém, seu ingresso no jornalismo ocorreu no ano de 1887 em S. Paulo, onde tentava cursar Direito. De 1887 a 1908, abraçando definitivamente o jornalismo, colaborou em todo tipo de periódico, dos jornais diários às revistas ilustradas, chegando inclusive a fundar periódicos como A Rua (1889), O Combate (1892), A Cigarra (1895) e A Bruxa (1896-1897). Sua produção foi extremamente diversificada, dedicando-se tanto à crônica de amenidades quanto ao jornalismo mais combativo.
O que ainda pouco se sabe sobre essa faceta de Olavo Bilac? Por que vale a leitura de seus artigos jornalísticos?
Antonio Dimas já publicou obras definitivas sobre o Bilac jornalista, mas ainda há a possibilidade de estudarem-se produções específicas como as sátiras e artigos escritos contra Floriano Peixoto. Durante 20 anos, Bilac foi um observador atento da vida brasileira e testemunhou episódios fundamentais da nossa história como a Abolição, a Proclamação da República, a Revolta da Armada, a Guerra de Canudos e a Revolta da Vacina. Se, por um lado, foi um opositor incansável do assim chamado Marechal de Ferro, deu, por outro lado, apoio incondicional governo republicano quando este se viu ameaçado por golpes ou levantes populares.
Além de você, quais são os principais pesquisadores sobre a obra de Bilac no Brasil?
Em primeiro lugar, deve-se citar, pela qualidade e abrangência das obras já publicadas, Antonio Dimas. Gostaria de lembrar também de Marisa Lajolo, autora de um ensaio pioneiro sobre a literatura paradidática de Bilac. Ivan Teixeira, recentemente falecido, Felipe Fortuna, Paulo Franchetti, Regina Zilberman e Luís Austo Fischer produziram trabalhos esclarecedores para o estudo do poeta parnasiano. Tenho também notícia de jovens pesquisadores como Emmanuel Santiago e Robson Teles Gomes que atualmente se interessam pela obra de Bilac.
Entre outras coisas, você se dedicou a pesquisar os efeitos de livros de poesia do decadentismo-simbolismo português em periódicos cariocas. Poderia contar um pouco sobre os resultados dessa pesquisa e sua relevância para a historiografia literária brasileira?
Trata-se de uma pesquisa ainda em andamento, com a qual tenho vasculhado periódicos do Brasil e de Portugal em busca de apreciações críticas e até meras notícias sobre o decadentismo-simbolismo no final do século XIX. Tenho estudos bastante adiantados sobre o decadentismo-simbolismo português (1890-1893) e sobre a recepção na imprensa da obra de Cruz e Sousa (1893-1905). Tudo se originou da vontade de compreender melhor as razões pelas quais uma obra de inquestionável valor como a do assim chamado Dante Negro não encontrou uma ressonância condigna junto aos seus contemporâneos. Tenho razões para acreditar em que serei bem sucedido no empreendimento.
Sua pesquisa estende-se também pelas relações entre “imprensa e literatura” na contemporaneidade?
Não, embora seja esse um tema fascinante, inclusive pelas possibilidades de comunicação abertas pelos modernos recursos de informática. Deve-se, porém, ressalvar que a imprensa tradicional, - jornais e revistas impressos, - tem restringido cada vez mais o espaço reservado à literatura, o que é lamentável.
Qual avaliação você faz da preservação documental dos periódicos antigos e fora de circulação no Brasil?
Há tanto motivos para consternação, quando se ouvem histórias acabrunhantes sobre o estado de conservação de determinados acervos, quanto para júbilo, em virtude de projetos específicos de conservação e organização de acervos realizados por instituições privadas e principalmente públicas, - neste caso vinculadas às universidades brasileiras.
Em suas pesquisas, certamente, se deparou com alguns periódicos literários. Se você fosse reeditar um deles, qual escolheria? Por quê?
Pela qualidade editorial e pela importância histórica, eu escolheria a revista Kosmos (1904-1909), sobre a qual há um trabalho fundamental de A. Dimas.
O que vem pesquisando atualmente? Como esse projeto guarda relação com sua atuação como docente? Você costuma incentivar o engajamento de graduandos nesses projetos?
Meus esforços principais têm sido dedicados ao estudo do decadentismo-simbolismo, mas me interesso atualmente também pelo trabalho dos correspondentes estrangeiros nos jornais cariocas do final do século XIX e início do século XX. Outro assunto com que ocasionalmente me ocupo é a literatura paradidática publicada durante a Primeira República. Venho tentando despertar o interesse dos orientandos por esses âmbitos de pesquisa, mas acolho praticamente qualquer proposta de investigação que aborde textos de interesse literário publicados em periódicos nacionais ou estrangeiros.
Obras de Alvaro Santos Simões Jr:
{n. 2 | junho | 2018}
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