por Rosana Zanelatto
O conceito retórico de inventio/invenção compreende o percurso do orador na busca por argumentos que consolidarão/justificarão sua hipótese. É uma tarefa que envolve, segundo Carlos Ceia em seu E-Dicionário de Termos Literários 1 : um esforço intelectual, à cata de dados concretos para sua defesa; “uma reflexão moral”, cujo objetivo é defender a verdade; e “um envolvimento afectivo”, com o intuito de provocar a aquiescência do público.
Se essa percepção clássica de invenção, que tem base aristotélica e ciceroniana, especialmente a partir da segunda metade do século XIX, com a guinada positivista dos/nos estudos de estética, foi obscurecida pela falácia de um certo realismo, hoje se faz necessário (re)problematizá-la, com vista a discutir a historiografia literária brasileira. É preciso que ela seja lida como um projeto narrativo inventado por vozes – a seu tempo, justificadas e estabelecidas por um projeto político de construção de um conceito de nacionalidade – calcadas na observação empírica e no objetivismo, reificando um espaço chamado Brasil e uma gente chamada brasileiros.
Para se contrapor a esse projeto pós-independência, ainda de caráter imperial, ao longo dos tempos republicanos, o caráter federativo do Estado brasileiro foi sendo (re)organizado, chegando, em 1970, à atual configuração nas cinco regiões: Norte, Sul, Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste.
A região Centro-Oeste agrega os estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal, comportando três dos principais biomas brasileiros: o cerrado, o pantanal e a floresta amazônica, esta restrita ao norte de Mato Grosso.
Trazemos à tona o lugar geográfico demarcado por suas especificidades climáticas e ecológicas, a fim de pensar sobre a invenção de um lugar literário que, por vezes, ainda se sustenta/é sustentado num realismo de caráter positivista. Não negamos a importância, nem a mirada realista; porém, nos interessa apresentar, ler, comentar e registrar textos que abdiquem de um realismo reprodutivo, de “[...] fachada, [que] apenas auxilia na produção de um engodo" 2.
Mas que engodo é esse? No caso específico de uma literatura do/no Centro-Oeste, o engodo vem especialmente de hostes críticas exteriores que construíram/constroem personagens, tempos e espaços que isolam os textos num mundo paradoxalmente marcado pelo caos pré-criação e pelo paraíso organizado depois de uma possível interferência divina, venha esse deus de onde vier... Esse engodo surge da ainda vigente homologia entre literatura e realidade.
Sob o risco também de sermos um engodo, posto que analisar/ler literatura está no terreno das possibilidades, inventamos uma brevíssima lista de escritores/as que valem a pena serem ao menos consultados/as: Paulo César Pimentel, Divanize Carbonieri, Isaac Ramos, Silva Freire, Nicolas Behr, Cora Coralina, José Godoy Garcia, Anderson Braga Horta, Hermenegildo Bastos, Gilberto Mendonça Teles, Bernardo Élis, Lobivar Matos, Manoel de Barros, Douglas Diegues, Flora Thomé, Samuel Medeiros, Elias Borges, Isloany Machado, Lucilene Machado, Luciano Serafim. São artistas comprometidos/as com o que Deleuze e Guattari chamam de “enunciação coletiva, e mesmo revolucionária”, colocando em cena outras potencialidades e outras sensibilidades para a construção de uma literatura brasileira possível, criando poéticas de um centro a oeste do Brasil.
{n. 4 | agosto | 2018}
{ROSANA CRISTINA ZANELATTO SANTOS é professora de literatura na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.}
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