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Aos indiferentes

por Rafael Voigt, editor da {voz da literatura}


“Indiferentes” é um artigo de Antonio Gramsci (1891-1937) publicado em fevereiro de 1917, no jornal La Città Futura, periódico socialista de número único e totalmente escrito pelo próprio jornalista italiano em Turim, dirigido aos trabalhadores e à juventude daquela cidade italiana, sob a atmosfera da 1ª Guerra Mundial.


O texto inicia-se com um petardo: “Odeio os indiferentes.” O verbo “odiar” no léxico gramsciniano não significa um estímulo à violência. Não é um discurso de ódio. Gramsci protesta contra aqueles que não tomam partido, que não assumem um lado, que são espécies de autômatos sociais, inclusive entre as fileiras do partido socialista.

O membro do Partido Socialista Italiano (PSI), à época, observa que a indiferença pesa nos destinos da história:

“A indiferença opera com força na história. Opera passivamente, mas opera. É a fatalidade; é aquilo com o que não se pode contar; é o que interrompe os programas, subverte os melhores planos; é a matéria bruta que se rebela contra a inteligência e a sufoca.”

Gramsci alerta que a indiferença está na massa de homens que abdicam de sua própria vontade, que aceitam as leis impostas, que permitem a ascensão de governantes que somente revoltas posteriores poderão arrancar do poder.

Segundo Gramsci, a fatalidade inerente à história é constituída em boa parte pelos indiferentes.

Em linguagem bem brasileira, poderiam ser alocados dentro dessa categoria aqueles a quem chamamos “isentos”. Eximem-se de seus direitos, de seu poder na democracia e abrem mão de sua própria liberdade, para viverem aferrados aos ditames dos autoritarismos governamentais que se impõem, retirando-lhes pouco a pouco seu papel como cidadão.

Pior do que constatar as consequências da indiferença é perceber o que Gramsci descreve de forma simples e direta:

“Nenhum ou poucos assumem a culpa pela própria indiferença, pelo ascetismo, por não terem oferecido os próprios braços e atividade aos grupos de cidadãos que combatiam para evitar aquele mal e conquistar o bem ao qual se propunham.”

Nessa toada, Gramsci identifica a irresponsabilidade histórica dos indiferentes. Brada ainda contra esses a seguinte constatação: “Odeio os indiferentes também porque me irrita o seu choramingar de eternos inocentes.”

O jornalista e filósofo italiano nesse ataque à indiferença marca a própria posição política:

“Sou resistente, vivo, sinto na virilidade de minha consciência pulsar a atividade da cidade futura que estou ajudando a construir.”

É também a manifestação de uma consciência política que aponta para a construção nacional, a partir do posicionamento de quem se apresenta como parte da coletividade social para a qual se quer a garantia de toda a gama de direitos inerentes a qualquer ser humano.

Gramsci não chega a tocar diretamente nesse ponto. Mas sabemos que a “indiferença política” pode ser algo plantado, adubado, ceifado e colhido por uma “indiferença” à educação política da população. No Brasil, a chamada Escola Sem Partido é um bom indício da insistência em manter a educação no seio de uma infundada e impossível “neutralidade” política.

Para não deixar a literatura de fora, observe, leitor, como a política e a “indiferença” podem estar por toda parte: nos escritores, narradores, poetas, nas vozes poéticas, nos vários realismos, na ficção científica, nas biografias..., nos prêmios literários, eventos, instabookers, booktubers, professores, pesquisadores, periódicos...nas editoras. Deixamos ao leitor esse exercício de verificação de onde grassa a “indiferença” no meio literário.



O artigo “Indiferentes” faz parte do livro Odeio os indiferentes: escritos de 1917, de Antonio Gramsci, com tradução de Daniela Mussi e Álvaro Bianchi, recém-lançado pela editora Boitempo. O volume inaugura a Coleção Escritos Gramscianos, que objetiva reunir todo os textos desse pensador marxista.


ANTONIO GRAMSCI. Odeio os indiferentes: escritos de 1917. Seleção,

tradução e aparato crítico Daniela Mussi, Alvaro Bianchi. 1. ed. São

Paulo: Boitempo, 2020.

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